Javier Alberto Prendes Morejón – Coleção “Quadros Pequenos”
1
Poema à minha mãe
De uma alma enternecida,
poema à minha mãe,
borboleta de asas violetas.
Afinal, serias tu uma balança de jade,
e o fulgor de uma safira?
Se pudesse enunciar minimamente
a tua beleza e natureza,
forçoso seria escrever-te
uma canção.
Por onde andastes todo este tempo,
singrando entre lágrimas e gotas vermelhas,
se não em busca de uma vida melhor?
Apequenada não estivestes,
nem poderias.
A única solução foi-te sempre
lançar-te mar a fora.
A ver se encontras estrelas-do-mar
e cavalos marinhos,
e quiçá ostras com pérolas reluzentes.
Uma espada e um escudo,
parece, ergues ao mesmo tempo.
Haja força e virilidade
para um corpo tão frágil
em pele de mulher!…
A única couraça que deverias erguer
é a que protege do egoísmo,
câncer vil e corrente;
e por outro lado,
sobejar amor.
Um hino a ti seria o mesmo
que dulcificar a imagem de uma estrela;
imaginar o colorido do firmamento
numa conjuntura especial;
acender-se num recinto sagrado
a essência do sândalo
e derramar mirra sobre o rosto
e ungir um óleo santo sobre os cabelos.
Não foi o acaso que me
brindou teu útero,
mas a nota venusina
que vibra em mim.
Colorida de cobre engalanado
sobre vestes níveas,
cingi-lhe a poesia
as faces e empresta à tua voz
o acalanto.
Embalo de ninar, se estás doce;
mas se ferida,
a explosão do Krakatoa e do Vesúvio!
Leoa ou loba,
farejando no ar místico
uma aspiração isíaca.
Adonaia de olhos tímidos
e coração hercúleo.
Tens todavia larga vida,
e feliz seria
tua pátria e teu mundo,
se com tuas lágrimas e risos
pudesses tecer um tapete mágico!
Bordadas em teu peito
jazem mil maravilhas,
águas doces de vinheiros
e rosas brancas.
Querida por teus amigos,
fecundo coração de mãe
imitando o brilho das estrelas ígneas
na alba reluzente de cada dia.
Conclua a tua missão sobre a terra,
amada Vênus em corpo físico,
e a mesma, de triste e amargurada,
sorverá um pouco de beleza.
Justiça é o teu nome que edificas.
Os pratos de tua balança,
os pesos e medidas
com que os seres divinos julgam.
Adonaia e Astarte em perpétuo viço,
qual rosa lídima,
sempre colorindo com almíscares.
Teu fragoroso seio
é o rutilar dos sentimentos altaneiros;
teu augusto rosto
o delírio dos deuses.
A ti, virgem materializada
na terra angustiante,
e por ti,
se faz a vida uma roseira.
Que a excelsa Allamirah,
consorte divina de Akbel,
derrame sobre ti as bênçãos
de uma vida plena e feliz.
Javier Alberto Prendes Morejón – Coleção “Motivos Florais”
2
Poema à S. Francisco de Assis 1
Cantemos a ti, Francisco de Assis,
pois é ditoso aquele que vive para servir,
e prestando aos homens fiel empenho
dá a tudo um melhor cariz.
Dante Alighieri fez-lhe honrosa menção,
chamando-o de “luz que brilhou sobre o mundo”;
e os séculos, desde teu nascimento,
lhe erguem saudosos e queridos louvores.
Quando impusestes tuas mãos
no pobre leproso,
do qual todos fugiam,
sem o quereres o curastes,
manifestando o poder de Deus.
De imediato rogastes perdão,
e tua súplica, de uma humildade sem par,
comoveu as pedras e as estrelas.
Bendito sejas tu, Francisco!
De todos os santos cristãos,
ao lado de nosso Senhor Jesus Cristo
ocupas um lugar, régio e perfumado.
Como um bom pedreiro,
a tua obra na terra é uma cúpula dourada,
um pórtico encantado,
e tuas palavras mil maravilhas.
Já são idos sete séculos
desde teu último alento,
e ainda mantém-se fiel
a tua imagem em nossos peitos!
Agora, mais do que nunca,
carecemos de um santo como tu,
para dar exemplo de abnegado amor.
Teu insofismável coração
é um florilégio de rosas e jasmins.
Acaso te esqueceríamos, amado Francisco de Assis?
Acaso tua jornada por nós seria esquecida e vilipendiada?
Vis e ínfimos seríamos!
Cada passo dado por teus pés
é um convite a que te imitemos.
Se nosso coração reclama felicidade;
se em nossa embriaguez não vemos a verdade;
busquemos em ti o exemplo salvador.
Junto à fé inabalável,
construamos uma Torre de amor.
Que cada um de seus degraus,
e toda ela, seja semelhante à Escada de Jacó.
Dos céus, penso,
descendem estrelas como tu,
engrandecendo e iluminando
a mísera vida do homem.
Por todos os teus feitos,
grande também como os santos do Oriente,
minha pobre pena pode apenas
esboçar um tímido e singelo arpejo.
Não cabe a tua vida em adágios,
tão-só na beleza dos robles e lilases.
Junto à Pedro e São Paulo,
ó santo, fostes verdadeiro arquiteto
da grandeza de Deus!
A ti, Francisco de Assis,
nossa cálida e veneranda prostração!
3
Poema à S. Francisco de Assis 2
Quanto mais penosas as provações,
mais elevadas as recompensas.
Na dor aviltante impingida por outros,
carentes de verdadeiro amor,
diante dela tornamo-nos pássaros
e voamos até o Senhor.
O homem abastecido de joias e tecidos finos
pode encontrar entre seus pares a admiração e respeito,
mas só o pobre de Deus
o achará em seu amantíssimo Seio.
Peregrino de pobres trajes, sem alforje nem cajado,
pela corte opulenta do Papa ridicularizado,
após pregar aos porcos e enlameado,
recebido fostes.
Seguindo à risca a vida de Jesus,
tencionando a Regra Primitiva,
aos pássaros o teu sermão,
em rebeldia aos poderosos.
Com o galhardete em tuas mãos,
com a flâmula em teu peito,
levas a bandeira do amor.
Que disparidade a sujidade de tua carne,
a mísera aparência de teus farrapos,
com a auréola em tua cabeça de santo!
Que disparidade incongruente
a tua renúncia aos bens,
frente à riqueza ostensiva
do Sumo Sacerdote de Deus!
A corte vaticana vive entregue
aos delitos das riquezas,
e tu, mísero e pobre,
galgas o verdadeiro caminho
que leva ao Reino dos Céus.
Se a Igreja fraqueja,
tu és o Hércules aureolado
que pode sustentá-la
com destreza.
De juventude profana
como quaisquer,
a santo peregrino
tornando a vida
uma evocação a Deus.
Fenecidos os dias,
entras na História,
e ela te faz lenda
e monumento vivo.
Deixas a carne pútrida para trás,
e lavando-te em águas puras
te regeneras,
fazendo-te imortal.
A tua santa Ordem,
pedra basilar da virtude,
nenhum vento a dissipa,
e esparge as boas sementes
nos campos ainda férteis.
Para que te louvem,
não faz falta vestir túnica,
nem de prostrar-se em orações.
Louva-te aquele que te beija
a cada dia em sonhos e ações.
Cordeiro fiel e manso,
pai resoluto dos pobres e aflitos,
coração compassivo
em eterna ode ao divino.
O sabujo coração dos homens,
se a ti se converte,
torna-se pedra diamantina;
em safírico anelo
eleva-se a Deus.
Ó santo de Assis,
cancioneiro divino
feito homem!
Compartilhas em tua face
a beleza de um botão!
A rosa franciscana,
de carisma ineludível,
foi regada pelo santo
e agora é um pomar divino.
Muitos tem hierarquia institucional,
outros a verdadeira – a espiritual.
Deuses e anjos não falam ao príncipe,
se este não for um servo.
Na Capela de São Damião
as Clarissas elevam a voz.
Elas, esposas de Jesus,
brindam aos homens o amor.
A Regra não bulada
revela teu espírito;
a bulada
o teu inconformismo.
No mar singrando,
poderoso mago,
multiplicastes os alimentos
e pacificastes a tempestade.
Aos doentes curastes,
aos vis enobrecestes.
O Egito visitastes
e lá profetizastes.
Tornando tua vida perpétuo eremitério,
onde quer que teus pés tocassem,
ali levavas o silêncio
que conduz a Deus.
Exaltado, em místico êxtase,
teus pastoris sorrisos
em dulcíssimo acalanto
purificavam.
Teu túmulo é a raiz
onde medram as floridas
acácias de uma vida nobre.
A efígie de teus passos
o longânime bem-querer ao Amado.
4
Poema à S. Francisco de Assis 3
Orvalho cálido
são teus pés, santo de Assis!
Suave clarim
que faz fremir
as pedras do caminho.
Se cada uma de tuas palavras
é uma gota murmurante,
todas conformam, ao final,
um oceano cintilante
de sabedoria.
Alvas aspirações exigem-se
dos candidatos ao ósculo divino.
Renúncia, sobretudo em alma,
das concupiscências deste mundo.
O Paraíso, galardão de inocente coração,
abre suas douradas portas
àqueles que se abstiveram de todo egoísmo.
Nunca fora bem exclusivo de sacerdotes,
mas de homens lídimos
sem importar arte e profissão.
O Tabernáculo Divino é o corpo humano,
no qual a alma, casta e inebriada,
torna-se arco-íris.
Melhor é que a erudição
dos mosteiros enclausurados
seja repartida em novos silogeus,
a brindar a todos as benesses da cultura.
Em tua Basílica em Assis,
teu túmulo olente
recende a flores de jasmins.
Sobre ele assenta-se
turmalina alva e poderosa.
Ao morreres, reza a lenda,
uma formação de aves
coloriu o céu pousando no telhado
de onde estavas,
e dali os pássaros que te amavam
entoaram um cântico
de mavioso amor
à tua imagem,
em saudoso adeus.
Venerável Francisco de Assis,
patrono dos animais
e conhecedor de suas linguagens.
Podem até desprezar-te os homens,
enfatuados com saberes estéreis
e com os corações enodados,
mas a Natureza, sábia e compassiva,
te reconhece, sempre, como verdadeiro santo.
Teu amor à Deus e seu filho Jesus Cristo
tamanho é, tão altivo e cristalino,
que como outros
fostes estigmatizado.
Pois o discípulo, de férreo amor ao Mestre,
tende a ele assimilar-se
nas dores e virtudes.
Andarilho enrubescido
pelo sol,
só acha abrigo
na chama fulgente da Verdade.
Tostada a alma e aquiescido o espírito,
de seu imo exala-se perfeita e bela
a salomônica Língua dos Pássaros,
conhecida de todos os grandes sábios.
O rufar da morte
devoradora da carne e almas torpes,
por ti passa tímida,
cabisbaixa e sem sua foice.
Não mais mero mortal:
adquiristes a glória
do Cristo que há em ti.
Sê feliz por toda eternidade,
excelso Francisco de Assis,
e voltes novamente
mil e uma vezes,
para espargir a tua bondade.
Se tu, tão grande em obras e pensamentos,
te consideravas ínfimo e vil,
chamando-te de verme
e “um franguinho preto”,
ó Francisco, o que seremos nós?
Pela beleza almiscarada de tua vida,
sempre doce e iluminada,
te rogamos santo ímpar:
faz de nossa estrada
estreita, íngreme e solitária,
a imagem perfeita de tua alma.
Javier Alberto Prendes Morejón – Coleção “Figuras Místicas”
5
Poema à JHS (Henrique José de Souza)
O próprio Agni és,
crepitando no peito
o amor ao Brasil!
Nosso guia em
tenebrosa estrada;
nosso farol que alumia
as trevas diárias.
Sacerdote de Jinas,
Mestre de Assuras e Makaras!
Por ti, Mestre amado,
que a ti reconhecemos
enquanto poucos o fazem
– a ti nosso louvor,
a ti esmerado amor!
Triunfos sem par em tua
boca perfumada.
Desígnios do Eterno
que à terra trazes.
Neste altar em que
vibram teus lábios,
a fogueira do céu
está acessa e estrelada.
Agni, Agni, Agni!
Tua língua é o Senzar,
tua pátria o Não-Lugar.
Tua Obra é nossa vida,
nossos dias o espelho
quebradiço de teu caminho.
Queiramos ser como tu
– Perfeitos!
Trouxeste a Boa Nova,
mas quem ouviu?
Novamente o Eterno encarnado
não foi reconhecido…
Ao Quinto, teu irmão,
estendeste as mãos e deste
de beber da mesma copa.
Assim restaurada está a ordem,
e que cada homem faça por si
o que só a si corresponde.
Luzeiro que do alto esplende
sobre o fogo fátuo deste nevoeiro!
Tuas chamas despertam em nós
o verdadeiro facho!
Ainda tímidos e trôpegos
a ti vamos, míseros como somos.
Queira a tua Ordem,
dos descaminhos de hoje,
um dia remendar-se.
Fio ariadnesco em tuas palavras,
voz sábia e pungente.
Muitos em teu nome tem lavrado;
muitos por ti tudo tem feito.
Perdoa, como um pai,
os que tem errado.
Um dia em teus braços
clamaremos: “Aqui contigo
estamos para sempre”.
Jaz em nossa vida
uma estrela rutilante,
seu nome: J.H.S.
Javier Alberto Prendes Morejón – Coleção “Ganso Primordial e Itinerário de IO”
6
Mãe
Ah, mãe! Que bela é a tua preocupação
de privar-me de toda falta,
de evitar-me a fome, o frio, a enfermidade…
Mas que enfado é ficares apenas nisso,
graciosa provedora!
Meu corpo é teu,
mas se me movo além dele,
afasto-me, entremente,
da tua esfera guardiã.
Saio dos teus laços
e nada entendes,
com olhos de pranto,
desnorteados.
Já dissestes:
“Como queria que fosses ainda criança”.
Tua declaração não revela amor,
mas dificuldades, pois o corpo da criança
pertence somente a ti.
Meu balbucio se dissipou no espaço,
e com o tempo assumi
as vozes dos meus próprios personagens.
Resguarda-te do teu apego,
pois toda mutação foge às mãos,
e a rédea curta dos teus pensamentos
colhe assim apenas mais tristezas.
No dia em que me fui
já havia ido há muito tempo.
No último aceno não suportavas a dor:
da tua face jorrava em destaque
o semblante tristonho,
como uma gravura de aflição
de quem percebe, pela primeira vez,
que está perdendo o chão.
Nos anos precedentes
tal sôfrega paixão ficara oculta
nos teus passatempos e amantes,
mas naquele instante voava
longe o símbolo da perda.
Na iminência do afastamento
fez-se visível, como nunca antes,
a magnitude da tua encoberta solidão.
Eis tu, progenitora mãe:
devastada como uma montanha em lágrimas;
aturdida como um pássaro sem voz.
Ah, mãe! Ao sair roubei-lhe teu escudo.
Sem mim te sentistes indefesa e frágil,
balançando sem suporte,
pasmada com o fim trágico
– mas previsto – do teu instinto.
Tua fronte maternal se sentiu só, e só está.
Vejo em ti a procura de quem busca
preencher o próprio lago
de estagnadas águas.
No entanto, conseguirás, no máximo,
preencher somente a superfície
dos teus desejos, pois o que buscas
– anseio comum – vive dentro de ti,
enclausurado e oprimido
no âmago infinito do teu ser.
Leva a sério o que te digo!
Ah, mulher! Que ilusão buscar no homem
a imagem fiel da tua paz!
Quanta asneira, tempo e pensamentos
perdidos em vão…
Ainda não te destes conta
que a felicidade vive em ti,
irrestrita, infinita?
No derradeiro momento
lançastes tua dor aos quatro ventos,
constipada por soluços mudos,
alquebrada pela separação.
Todavia, te ativestes apenas
ao teu medo e ao teu langor,
mas em mim havia somente luz e excitação.
Chegara a hora de penetrar
num novo abismo,
distante de qualquer tutela,
sem fios aos quais me ater,
como artífice dos meus próprios movimentos.
Por que, então, não exalastes o grito
retumbante e dissestes, ao ver a minha alegria:
“Vai e voa longe, alto!”?
Ah, mãe! Deveríamos mudar o foco!;
deveríamos aprender da dor a festa;
deveríamos trocar o choro pela dança;
deveríamos alegrar-nos da partida,
porque no fim tudo retorna;
deveríamos mudar o foco,
sob outros ângulos,
para amadurecer e tornar-nos,
de fato, inteligentes.