Extraído de “POESIA CLÁSSICA CHINESA – DINASTIA TANG: APRESENTAÇÃO, ALGUNS POEMAS”, por RICARDO PRIMO PORTUGAL e dos “Poemas Clássicos Chineses”, tradução e organização de Sérgio Capparelli e Sun Yuqi, L&PM Pocket.

Contemplando a Grande Montanha
E eis o Grande Tai – como dizê-lo
além de Lu e Qi tudo é verdura
Aqui divino e belo se concentram
se lado sul ou norte claro-escuro
O peito estende às nuvens que acumulam
olhos distendem pássaros que entram
É preciso alcançar o extremo o cume
de um só olhar mil picos se apequenem.
A vila à beira do rio
Um claro rio se dobra em torno à vila e corre,
longo o verão – rio, vila, tudo maravilha.
Vão livremente e vêm aos pares andorinhas,
chegam-se às águas, perto, ajuntam-se gaivotas.
A esposa um tabuleiro de xadrez recorta,
o jovem filho dobra agulhas, faz anzóis.
Alguém doente busca as plantas para a cura,
humilde corpo, nada além disso procura.
Admirando as flores sozinho junto ao rio (III)
Não é que em tanto amar as flores se faleça,
mas há sofrer que cessam: envelhecer se apressa.
Galhos repletos facilmente caem tensos,
tenros botões combinam-se, abrem docemente.
Pensando em Li Bai no além-céu
Um vento frio ascende ao além-céu
que pensamento a tua mente acede
Quando este ano os gansos chegariam
no outono os rios se enchem em demasia.
Escritos são desdita ao vil mundano
demônios gozam com o fracasso humano
Deixa aos iguais o teu falar maldito
joga um poema às águas deste rio.

O Cavalo Bárbaro do Oficial Fang
Puro sangue do Dayuan,
flancos magros,
ossos salientes,
orelhas em pé
como bambus talhados.
E teus cascos, leves,
voam com o vento.
Qualquer caminho ou distância,
percorres num instante.
Em ti confio
minha vida,
minha morte…
E assim,
forte, vigoroso,
estás sempre pronto
para transpor qualquer distância.
Balada dos Carros de Guerra
Os carros de guerra murmuram e matraqueiam.
Os cavalos relincham.
Os soldados partem em expedições, arcos
e flechas presas ao corpo,
pais, mães, mulheres e crianças correndo para
lhes dizer adeus;
impossível, no meio da poeira, avistar a ponte
de Xianyang,
e já lhes puxam a roupa, gemem e lhes barram
o caminho,
os prantos se alçando até as nuvens.
Na beira da estrada alguém pergunta o que está
acontecendo.
Os soldados respondem apenas que os
alistamentos são frequentes
e que alguns, aos quinze anos, partem para
defender o norte do rio Amarelo.
Aos quarenta ainda estão cuidando das terras
do exército no Oeste.
No dia da partida, os chefes das aldeias põem
uma bandana em suas cabeças.
E se volta, de cabeças brancas, partem de
novo para defender a fronteira
onde o sangue escorre como um mar.
O imperador Wu dos Han quis alargar as
fronteiras – ambição sem limites!
Você nunca ouviu falar que em duzentos distritos,
a leste das montanhas chinesas,
em mil aldeias e em milhares de povoados,
brota do chão apenas o mato e a erva?
Mesmo se é robusta a mulher que lavra
Espalham-se ervas daninhas nos templos arruinados.
Os soldados de Qin são corajosos e resistentes,
mas na batalha são considerados como cães ou galinhas.
Apesar de tantas perguntas,
pra que me queixar?
Neste inverno, por exemplo, não foram
desmobilizadas as tropas de Guanixi,
e mesmo assim os chefes dos distritos já se
apressam em cobrar impostos.
Imposto? Mas de onde tirá-lo?
O nascimento de um filho é pura infelicidade.
Melhor uma filha.
Uma filha pode se casar com o vizinho ao lado.
Um filho acaba morto e sem funeral no
meio do mato.
Por acaso o senhor viu as margens do lado Qinghai,
onde, desde tempos imemoriais, existem
ossos brancos que ninguém recolhe?
Novas almas exasperam-se, velhas almas caem
em pranto,
e debaixo desse céu encoberto, a chuva molha
queixas e gemidos.
Servir na Fronteira
Se retesas o arco,
pega o mais forte.
Se escolhes uma flecha,
fica com a mais longa.
Se quiseres vencer o inimigo,
mira bem
na montaria.
Se quiseres capturar os rebeldes,
agarra o chefe primeiro.
Também na matança,
é preciso limites,
assim como cada país
tem fronteiras.
Se for possível repelir
os invasores,
por que continuar
o banho de sangue?

Ao luar
Nesta noite, a lua,
no céu de Fuzhou.
Sozinha, minha mulher
a contemplá-la.
Eu penso
nas crianças,
pequenas demais para compreenderem
a saudade que sentem.
Uma bruma perfumada
molha seus cabelos.
Os raios pálidos e frios
refletem-se em seus braços
de branco jade.
Quando poderemos nos apoiar
no reborbo
da mesma janela?
Quando secarão
as marcas de nossas lágrimas?
Lágrimas de Chentao
O sangue
dos valentes guerreiros
das melhores famílias
de dez províncias
encharcou a lama fria
dos pântanos de Chentao.
Sob o azul claro do céu,
a vastidão da planície
silencia o clamor das batalhas.
Em um único dia,
na vasta planície, sob o céu límpido,
quarenta mil heroicos jovens,
fiéis e leais,
perderam a vida.
Agora as hordas bárbaras
limpam o sangue de suas armas.
Bêbados entoam cantos
e vociferam na praça do mercado.
O povo vira o rosto
para o norte, chorando.
Dia e noite esperam
a chegada do exército imperial.
Contemplando a Primavera
O império esfacelado,
restam as montanhas e os rios.
Na capital, primavera.
Brotos de ervas e árvores
estariam comovidos
com as flores que vertem lágrimas?
Mortificados com a separação
os pássaros cujos corações palpitam?
Os fogos da guerra não dão trégua
desde o início de março.
Uma carta enviada à família
vale milhares de onças de ouro.
Eu coço minha cabeça branca,
cabelos cada vez mais raros;
impossível, agora,
prendê-los com um grampo.
