1
Dos clarins angélicos
das profundas esferas empíreas,
com seus fragores divinos
em resplendores primaveris,
ao putrefato azedume da vida oca
no mísero pavilhão terrestre!
2
Da vida feita vil cortejo
entre lâmpadas inacessas
e rebentos
que trepidam em sacolejos,
e o notívago silêncio
encobrindo os risos
em fúnebre desconcerto.
3
Dizem vossas faces que sóis um mar
em que mergulham as almas,
e picos nevados
em que se assentam as aves.
Dizem que sois o vento purpúreo
que à mão se estende,
dando à terra feições aurifulgentes.
Dizem que sóis o açafrão e o sândalo
e o jasmim de sonhos indolentes,
e a prístina beleza das borboletas.
E cá assim estamos, no entanto,
meros traços rabiscados do Eterno,
esboços mais ou menos fidedignos,
cativos em perene ardor,
em vereda de angústia,
sorvendo de amargo cálice…
Sois a ponte, então, que sonhamos?
O formoso espelho em que entrevemos
um coração e um espírito eterno?
4
Da angústia farpada, de rústicas lágrimas
em maltrapilhas faces, letal cicuta
que empapa os lábios,
rubéola ensanguentada.
5
O Lama, mar de sabedoria,
montanha encrespada e atalaia viva,
jungida sua vida a uma divina cítara,
rocha altiva de fragrantes lírios.
Pequena e ilustre pérola nas trevas,
de esplendente brilho e maciço nevado
nas entranhas perdidas de vales sagrados,
relicário da vontade do Eterno.
6
Tal qual a atalaia
que tudo vislumbra,
e firme em seu posto
como o guerreiro
até o último suspiro.
7
Perdido em algum canto,
imerso na fragrância dos lírios,
seu Eu íntimo murmura e canta,
com a beleza dos cisnes.
Onde estarás tu, beladona das noites?
Em que norte te situas e a que altura
íngreme se lançam teus olhos?
8
Como ferir-te de amor,
e fazer tilintar tuas pétalas sem nome?
Como mergulhar na essência de teus olhos,
e fincar-me em teu peito para sempre?
9
Em voo às excelcitudes estar ad perennis,
por pensamentos acastelados, graças às pedras!
E sonho demais, porque em mim não cabe a vida,
ora miúda, enregelada, pífia, sem graça.
10
O Novo Homem é uma rosa sem espinhos;
é a semente fresca do Amor e da Sabedoria;
é o espírito materializado em toda sua pujança;
é o despertar serpentino da consciência interna;
é o botão da renúncia e do sacrifício;
é o Homem da Dor tornado Cristo.
11
A felicidade existiu no passado remoto,
pertencerá à sociedade futura,
e sempre pertenceu ao Adepto
de todas as eras e circunstâncias.
12
Restam das flores
as lágrimas doces,
das faces o desencanto,
do imago a Verdade.
13
És um espírito tornado carne.
Esta é devorada pela terra,
aquele evola-se ao céu.
14
A todos os entes do mundo – prosperidade!
Aos que carecem de luz – sabedoria!
Aos que se deixam levar pelos sentidos – vigilância!
Aos que deixaram poluir suas almas – limpidez!
15
O desejo é tifônico,
a vontade é hercúlea.
16
Desarmem suas bombas, nações do mundo!
Um apelo à paz se faz estridente.
Para quê armas de guerra,
se temos ao nosso lado as rosas?
Convenham todos num desarme geral!
Aniquile-se o aniquilador, o desejo pelo domínio,
em si reflexo do vão desejo por poderio,
grandeza, extensão, opulência, vingança…
Tais coisas banais, triviais em absoluto,
às quais nos prendemos, para nossa miséria.
Frutifique, pois, a bem-aventurança!
Regozijemo-nos, pois, com canções enternecedoras,
com pinturas elevadas, com versos lúcidos
de enaltecida beleza, com diálogos platônicos,
com escultórica perfeita…
Enfim, com o que há de mais belo e iridescente
no humano coração. São estas, pois, as joias
que rutilam: caráter, trabalho e estudo perpétuo.
E é esta a desgraça magna:
crer-se e assim, logo, estar-se separado dos demais;
crer-se superior por crer-se de outra origem,
embora tudo provenha de uma mesma e única origem.
Na verdadeira estrada – considerai – não há brechas
para adornos infantis nem quereres supérfluos,
diz a Voz da Razão maviosa, voz bendita e inaudita!
Não se trata – nunca tratou-se – de “conquistar”,
como todos pensam, para impor e triunfar,
antes renunciar para fazer brotar, crescer, verdejar…
Pede-se apenas desfazer-se de ninharias inócuas,
preconceitos, rótulos e aversões sem porquê.
Trata-se de enxergar nesta carne a imortalidade inefável do espírito.
Desarmem, pois, as bombas tão mortíferas, armas infindas todas,
suas adagas malditas, se de fato quisermos um mundo esplêndido!
Quem agride o Homem agride, por consequência, a própria Natureza.
Todo crime contra a Humanidade é um crime de lesa-natureza
e de lesa-divindade, pelo qual os seus agentes terão que pagar, e sucumbir.
17
Nêmesis mortal,
que aguilhoa o coração insensato!
Nêmesis retributiva,
com os pés sob o aro dos tempos
e sob a cabeça de um mortal!
Ela diz: “Se tu não produzes uma causa maligna,
tu, por ela, não podes ser atingido.”
18
Ai, te esquecestes na caminhada tortuosa
dos aforismos de todos os rincões?
Mal sabes que é um auxílio
prático para a vida diária e solitária
e insofismável fonte de Sabedoria e Amor?
Que neles encontrarias,
sintética e abnegadamente,
as mil e uma verdades que compõe
a Verdade Única e indivisível,
qual inumeráveis faces de um cristal?
Tratemos, pois, de amparar-nos sob
seus cuidados, recursos fiéis que são à Lei.
19
Que é a vida, senão ser injustiçado e incompreendido perpetuamente…
por pais, irmãos, amigos, inimigos, tutores, vizinhos e desconhecidos?
Que é a vida, senão ceder às lágrimas e a pé desvalido retroceder?
Que é ela, senão paixão fugidia, obtusa razão e gostos criadores de mortalhas?
Que é o homem, senão um retalho efêmero de uma divina imagem,
por isso, mácula sem fim, gravura de uma dor insofismável?
20
Ai! Nada mais difícil ao homem
do que manter-se sereno
na alegria e na tristeza!
É apanhado de súbito,
e sem perceber já cometeu o absurdo!
As palavras espirituais, tão em voga,
são mera e triste moda. Diz-se isto e aquilo,
e, no entanto, o mundo permanece incólume!
Basta ter um discurso convincente,
sofística oratória e escrita,
e apoiar-se na respeitabilidade,
e seguir a opinião pública!…
21
Por que ajudar estes seres pecadores
tão presunçosos de suas “verdades”,
que nada veem e nada ouvem?
Melhor é atingir o Nirvana
e partir logo deste mundo!…
Ah, mas meu coração, não digas isso!
No fervor precipita-se tua ira,
ainda que justificada por ventura,
mas… não é o exemplo que queres no fundo!
Sê tu impassível diante dos imensos torvelinhos
– querer magnífico – e estende
franca a tua mão ao desvalido.
Não permitas tu que a aversão domine
tua alma, e leve-te a quereres a extinção de todos.
Suporta sem cessar, trabalha sem apegar-te
e ri do injustificado.
Pois… tolerância, amor e respeito.
22
Nada pior do que dizerem que não pensas
por ti mesmo, mas o fazes segundo outrem.
Pior é não avexar-se se é verdade…
Pois é colocá-lo contra o abismo e entre os autômatos,
porém, no vale da mediocridade.
É, enfim, ceifar a si mesmo a Vontade.
23
Eu digo e clamo para as mães se iniciarem,
se quiserem que o mundo seja melhor,
mas quão poucas me ouvem,
a começar pela minha própria mãe…
Então, que discorram sobre suas banalidades sem fim,
que repitam sempre os mesmos erros crassos,
que vivam quase apenas para subsistir e ter ao menos
um pouco de afeto e de distrações hodiernas,
e esqueçam-se logo da Sabedoria dos Deuses,
de que algo tal um dia existiu!…
Que necessidade de mais pessoas neste mundo gélido,
vivendo na necedade e na mentira, se não nasce o espírito,
se a arte de dar parto às almas foi perdida?
24
Ah, não será a Terra exatamente quem punirá
com catástrofes a humanidade…
mas mais propriamente a humanidade
decrépita que semeou com seus erros
seculares as catástrofes por vir,
cedo ou tarde dívidas quitadas.
E se o homem fosse sábio
e dominasse os elementos,
por ser capaz de ter domínio sobre si,
não seria, então, presa dos dilúvios,
das larvas vulcânicas, das fendas nos solos,
mas antes o senhor da terra, dos mares e dos céus,
se em perfeita harmonia com a Natureza e com o Eterno.
25
Eviterna a chama que constitui
o verdadeiro Eu; fortuita a carne.
Entre um e outro, obscurecida, a Alma.
26
Ah, quantas vezes erro!
Fito este e aquele aforismo excepcional,
e ainda me turbo e ainda assim me excedo!
Sou, em flagrante contradição, pego,
e me avexo sempre com meu destempero.
27
Quanto mais cresço, menos importo-me
com a solidão. Lembro-me do sábio
ermitão, retido na gruta, na selva,
que nem o confinamento é capaz
de retirar-lhe a felicidade indubitável.
Este dom de que são portadores
– grandes anacoretas! – é meta que almejo.
28
Urrei em alta voz aos quatro ventos,
embargando a voz, e sentiu-se frágil
e perturbada minha tênue alma.
Vociferando à toa,
compelido fui ao erro;
nesse exceder não fui sábio.
29
Lamento que nesta minha família paterna
a discordância seja a regra,
que pai e filhos silenciem,
se afastem e nunca mais se falem.
Que hodierna compleição esta,
tão em voga nos lares!
30
Ah, pobre de minha mãe,
que lhe dói saber que sou solitário,
como certas aves!
Minha ferida por ela é sentida
no aspecto de meus olhos entristecidos,
no tom de minhas palavras empalidecidas,
e até mesmo sem ver-me nem ouvir-me…
Pobre de mim também,
que não fui capaz de aceitar a solidão de bom grado,
e de nela encontrar-me com meu Eu de verdade.
31
Se errasse e silenciasse,
pouco caso fazendo,
sem peso nem arrependimento…
ó Deus!
que erro maior do que esse?
32
São muitos os pecados
sobre a terra.
A Natureza revoltada
se mostra insatisfeita.
33
Mesmo os loucos,
entre tantas loucuras,
de vez em quando
dizem um tim de verdade profunda.
34
Se bastasse ser erudito,
em trinta anos ou menos
todos seríamos santos…
e assim a Humanidade
estaria salva e a Obra
seria feita apenas por livros…
35
Veleja – é o que desejo – como Argonautas
em busca do Velocino,
antes, deixando maus pensamentos,
toda paixão insensata e toda ação egoísta.
Afasta Nêmesis! Ao Dharma te lançarás!
Tua, hercúlea, a vontade;
teus, diminutos, os desejos – reclama vigilância.
Se, senhor de ti mesmo,
senhor também dos elementos,
senhor das estrelas,
senhor da verdade.
36
Que oferenda ofertar
no altar de minha alma?
Que incenso queimar
em honra à Divindade?
És a lua, a terra e o sol…
Eis uma antiga verdade!
Há em ti, anciã e vasta, luz
que tem por terra prisão,
e por céu liberdade.
38
A prova deste mundo ser um caos
está nas mães – são elas, em peso,
esterco; pari passu, seus filhos também.
Quando as mães se tornarem como Maria,
querendo ser como ela: como tudo
permaneceria igual? Os homens podem
permanecer vis; as mães é que devem elevar-se.
39
Tudo é ilusão
– pai, mãe, amigos, nação, educação…
Tudo é mentira.
Destinados estamos à desgraça, de antemão.
Não existe entre nós harmonia
– a Utopia é ainda um fado belíssimo a ser resgatado.
40
Para quê morar com os pais,
se com eles é como o casamento?
– uma desgraça.
E melhor que um consórcio turbulento,
é o desquite.
41
Cristãos, judeus e muçulmanos:
a não vingança para nós
é uma desonra,
apesar dos mandamentos
e predicados dos sábios!
42
Sai desse marasmo em que vertes teus dias!
Sai desse cárcere que tu mesmo criaste!
Evade do tormento, reprime o mau desejo,
acende a Razão sem defeito!
Esta, se suprema, é luz divina inesgotável;
é farol e ponte ao despertar.
Sai da neblina e fita o Sol alado!
Concentra-te.
Pratica a caridade, esparge o conhecimento inefável,
e mais que tudo, busca em ti mesmo todo e qualquer prêmio.
És em verdade a essência da flor,
e não as suas pétalas que logo mirram.
És o lótus e a perfeição.
43
Deixo em meus versos
meu olhar filosófico,
meus tristes sentimentos,
e minha alegria.
Deixo neles a perturbação
de minha alma,
e meus idílios, minhas utopias.
Verto em minha prosa
uma adaga e uma jarra de vinho.